Sei que não é relevante!
Também sei que não nos devemos concentrar no passado e no futuro, mas sim no presente, no agora! Mas, por vezes, recordar, relembrar, extrair das gavetas da memória, é bom para a alma, é balsâmico, é reconfortante, é intimamente sorrir!
Perguntar-se-ão, talvez, não sei, porque e para que este simples testemunho. Apetece-me, simplesmente. Apetece-me falar da avó. Da avó Iva! Não na sua plenitude, mas de um pouquinho de sua doce imagem, tanto quanto me lembro.
Quando partiu, esta sua neta tinha 13 anos. E, por isso, por vezes, dou comigo a pensar, que tipo de imagem guardam da avó todos aqueles que não tiveram a felicidade de a conhecer.
Naturalmente, cada um de nós guarda no intimo a imagem que adquiriu ou foi construindo ao longo do seu crescimento, do que aqui e ali foram percepcionando. Uns a conheceram, outros não. Apenas os mais velhinhos (netos, entenda-se), "saborearam" o prazer de ir crescendo com a Avó. Memórias ficaram. Doces, espero. Falo por mim!
Por isso, escrevo. Partilho. Apetece partilhar sua imagem ternurenta.
Em mim, um sorriso de ternura e de saudade. É tão bom recordá-la, tão tranquilizador...
Deixo-me levar e, nesta serena onda de energia, a figura da avó.

Corpo franzino, aspecto castiço... Era magra, não muito alta, tez amorenada.
O seu modo de vestir era, tanto quanto me lembro, praticamente o mesmo: saia e blusa, não esquecendo nunca o aventalito (feito por ela) sempre que se encontrava em casa. No entanto, variava nas cores e padrões, ao contrário da habitual roupa escura que a grande maioria das mulheres da sua idade vestia na altura. Usualmente, calçava chinelito ou sandália. Apenas no Inverno, vestia lá mais um casaquito de lã, blazer, ou casaco de fazenda, colocava um sapato fechado, uma meiinha e lá ia ela, um tanto apressada, nos seus passos pequeninos, o que lhe conferia uma certa graça no andar.
Tinha um cabelo não muito farto, mas longo o suficiente para que, com a sua travessa acastanhada de pentes largos, o penteasse, puxando-o habilmente para trás, onde a sua bonita e genuína madeixa branca se salientava do tom acastanhado escuro, mesclado com algumas brancas, do resto de seu cabelo.
Com uma hábil rapidez de gestos, formava o puxinho (o chamado carrapito), que era seguro com a mesma travessa e que a caracterizou por uns bons anos. Andava sempre penteadinha, super arranjadinha, nunca com aspecto de desleixo... Era um mimo, um primor...
Lembro ainda, o cuidado em sempre usar seu bonito e longo cordão, bem como o alfinete de peito (camafeu?). Duas peças em ouro (quase inseparáveis) que orgulhosamente usava e faziam parte da sua figura, enquanto mulher cuidada.
Sua face... Ah, a sua face! Sua face era linda. Apesar de semi enrugada, talvez pelas marcas do tempo e das agruras da vida, emanava uma profunda energia, como que algo de mágico se tratasse - feições calmas, serenas, doces...
A sua expressão facial era de uma naturalidade e candura que, confesso, me fascinava. Na realidade, raramente apresentava expressões de mal estar, mágoa, sofrimento ou até de "agressividade". Aliás, não lembro sequer de um queixume...
Sei que, para a avó se sentir feliz, apenas lhe bastava olhar em seu redor e vêr todos os seus felizes. Bastava-lhe isso e tudo estava bem!
Os seus olhos, eram pequenos, amendoados acho! Côr castanho escuro. Doces, meigos, ternos, profundos. Os seus olhos "falavam". Dizia-nos com o olhar o quanto nos amava, o quão bom era ser Avó!
A alegria emanava do seu olhar, ao observar os netos.
Para ela, todos eram especiais. Não havia distinção, sei! Adorava-os!
De seus lábios palavras dóceis, é o que guardo!
Tinha uma boca pequena e lábios bem desenhados. Mas quando sorria, era bom vê-la. Bastava sentir-se feliz! Ficava fofinha, encantadora, porque o sorriso dela era algo tímido, meio escondido, envergonhado... Tinha algo de muito peculiar.
Suas mãos eram mágicas! Tudo se transformava. A avó era mestre em tudo quanto fazia.
Ai, aqueles sabores sem igual dos seus cozinhados. Ai aquelas comidinhas tão boas, com um aroma que nos aguçava os sentidos...
A casa, sempre impecável. Limpa, asseada, fresca... Recordo o cheirinho a sabão amarelo e depois a cera...E a costura? Impar, sem igual! Tudo se fazia! Dominava a arte de costura com inteligência e sabedoria: vestidinhos, saiinhas, calções, babeirinhos, biquinis, saquinhos - roupinha tão linda que fazia amorosamente para os netinhos. Ainda hoje guardo um biquini que fez, qual relíquia...
A roupinha - era tão bom ir para o tanque do sr. Belmiro - sempre lavadinha à mão, claro e, quantas vezes, a seu lado, a via pôr a "corar" a roupa (para ficar ainda mais branquinha) e a ajudava, chegando molas, a estender roupa, sempre com ar fresco e cheiroso.
Mas, as suas mãos também acarinhavam, acariciavam, nos tocavam com uma sensibilidade que só uma avó sabe, depois de uma mãe.
Em todos os seus gestos uma enorme e incansável entrega, sem nunca proferir um queixume de cansaço.
A avó era de facto de uma generosidade e afecto inesquecíveis!
A avó era uma mulher, no seu todo, linda!
Era uma mulher de garra, modesta, simples, humilde, verdadeira, batalhadora, corajosa, respeitadora, dedicada.
Possuía uma ternura, uma meiguice, uma doçura, uma entrega, uma força, uma fé, uma presença incomparáveis.
O seu Amor era incondicional!
A sua missão era a Família e o Lar e como bem cumpriu, hoje que sou mulher o digo!
Na simplicidade da sua sabedoria foi uma grande mulher, esposa, mãe, companheira, amiga e avó.
Na sua história de vida, quanto orgulho!
Respeito, admiração é o que sinto!
Abençoada também, pela dádiva de a conhecer. E amor, muito amor!
Não serei a única, sei! Outros a conheceram e com ela conviveram... mas esta é a avó que guardo no coração. Para os que não a conheceram este meu humilde e incompleto testemunho. Outros talvez se seguirão, quicá?